
Nada mais terrível para uma criança que crescer sem uma das figuras dos pais, seja materna ou paterna. Por isso a figura de um padrasto ou madrasta, quase sempre foi algo positivo, para preencher tal lacuna.
Por isso, até pouco tempo atrás, o ato de um homem aceitar se relacionar com uma mulher com filhos era visto com positividade, na medida em que isso supriria aquela figura paterna faltante.
O mesmo acontecendo com mulheres que se relacionavam com ‘pais solteiros’.
Hoje, porém, tal atitude pode configurar um grave risco, que deve ser muito bem pesado.

A filiação socioafetiva
Se acordo com a doutrina jurídica, tal possibilidade corresponderia ao reconhecimento da “maternidade” ou “paternidade” com base no afeto.
Ou seja, quando a pessoa cria a criança como se seu pai (ou mãe) fosse. Portanto, ao criar um vínculo afetivo, estaria a partir daí obrigada a pagar pensão, em caso de separação.
Portanto, não haveria diferença entre o filho afetivo e o filho biológico no que diz respeito a todos os direitos, sejam de herança ou de alimentos.

O problema que surge
Por mais que sejam boas as intenções (o inferno está cheio delas…), o fato é que em qualquer relação mais ou menos duradoura, ficaria impossível ‘inexistir afeto’, se o pai (ou mãe) passa a morar com aquela(e) que genitor(a) da criança.
Ora, bastará que passe a morar junto, e não haverá quem diga que aquela pessoa trate os filhos de sua mulher (ou marido) “como estranhos”.
Até porque “afetividade” é um termo muito subjetivo. O que é ser afetivo? Dizer bom dia, tratar bem, dar carona aos filhos de sua companheira para a escola de vez em quando?

Jurisprudência
Vejamos um precedente nesse sentido:
“APELAÇÃO CÍVEL – Divórcio cumulado com Alimentos – Sentença de improcedência – Réu revel – Insurgência dos autores – Acolhimento em parte. ALIMENTOS A EX-CÔNJUGE – Co-autora que foi casada com o réu entre 09.05.2008 e janeiro de 2015, quando se separaram de fato, certo de que ela já tinha um filho de relacionamento anterior – Alimentos requeridos pela ex-esposa – Obrigação alimentar entre ex-cônjuges que deve ser instituída e mantida somente em situações excepcionais – Conjunto probatório que não evidencia, com convicção, a necessidade alegada pela ex-esposa, inexistindo prova de incapacidade laborativa ou outro fator que justifique a imposição do encargo ao ex-marido – Pedido improcedente. ALIMENTOS AO ENTEADO – Alegada socioafetividade entre o co-autor e o réu – Configuração – Pai biológico do autor que faleceu prematuramente, certo de que ele não conta com o auxílio financeiro de qualquer dos parentes de seu pai, embora já ajuizadas ações de alimentos para este fim – Provas dos autos apontando que o réu sempre tratou o autor como filho, nutrindo grande estima e afeto – Réu que desempenhou a função de pai em fase importante da vida do menor, entre os 06 e 13 anos de idade dele – Alimentos que, em decorrência da paternidade socioafetiva, são devidos – Ausência de elementos acerca dos rendimentos do réu – Única informação constante dos autos é de que ele atua como advogado, em escritório próprio de advocacia – Obrigação que, diante disso, deve ser arbitrada nos termos da jurisprudência assente sobre o tema, em 1/3 dos rendimentos líquidos do alimentante, se trabalhando formalmente, e em 1/3 do salário mínimo para o caso de desemprego ou trabalho informal – Sentença reformada apenas para reconhecer a paternidade socioafetiva e estabelecer alimentos em favor do menor – RECURSO PROVIDO EM PARTE”. (TJ-SP – AC: 10074968320168260590 SP 1007496-83.2016.8.26.0590, Relator: Rodolfo Pellizari, Data de Julgamento: 31/10/2019, 6ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 01/11/2019).

Conclusões
Se por um lado o posicionamento vem dar dignidade a diversas situações injustas, por outro, estamos no Brasil. E na “terra do jeitinho”, as exceções passam a ser regra muito rapidamente, ante um posicionamento jurisprudencial amplo por demais.
Portanto, a dificuldade de crianças verem-se amparadas por padrastos e madrastas aumentará muito, proporcionalmente ao grande risco que tal ato corresponderá aos “candidatos” a padrasto ou madrasta.
É uma daquelas “boas ações” do Direito que, no final, trazem mais prejuízos que benesses.
Se tal posicionamento se tornar de conhecimento geral, teremos cada vez mais pais e mães solitários.
Iran P Moreira Necho
Advogado formado na Universidade Mackenzie, com extensão em Samford-EUA. Atuou como advogado interventor em Liquidações Extrajudiciais pelo Banco Central. Presidente do IBRIM – Instituto Brasileiro Imobiliário. Foi membro das Comissões da OAB/SP: Defesa do Consumidor, Direito Imobiliário e Relações com Poder Legislativo de São Paulo. Ex-membro do tribunal de ética. (Entre em contato com o autor)
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